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25 anos após queda de Fokker da TAM em SP, viúva lidera projeto que orienta familiares de vítimas de acidentes aéreos


'Não tem como ficar indiferente', diz Sandra, que já ajudou familiares de 200 tragédias aéreas pelo país. Acidente deixou 99 mortos em 1996 e avião, de fabricante holandesa que faliu, e não opera mais no Brasil. Sandra Assali mantém guardado porta-retrato com foto do casal e os filhos na época do acidente da Fokker 100 da TAM Fábio Tito/G1 Trinta e um de outubro de 1996 parecia um dia normal na vida da bacharel em Direito Sandra Assali. Ela deixou o marido, José Rahal Abu Assali, cardiologista de 45 anos, no Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul de São Paulo, para mais uma viagem, o voo 402 da TAM com destino ao Rio de Janeiro. "Ele viajava bastante de avião, tinha voltado da Europa na semana anterior, já ia viajar na semana seguinte. Era algo normal para nossa família", diz Sandra. A aeronave em que estava o marido de Sandra, um Fokker 100 da companhia aérea TAM, caiu dois minutos após a decolagem, destruindo oito casas no Jabaquara, na Zona Sul de São Paulo. O acidente, que deixou 99 mortes, é considerado o primeiro de grande porte da aviação brasileira. Além dos 96 passageiros e tripulantes, três pessoas foram atingidas em terra e morreram. "Aquele dia eu levantei achando que seria um dia normal, levando o meu marido trabalhar, voltando para casa para ficar com meus filhos. Mas foi o dia que mudou totalmente a minha vida, mudou tudo na minha vida", relembra Sandra. Sandra, porém, não se deixou abalar pelo choque do acidente que vitimou o marido em 1996; pelo contrário: juntou forças para ajudar outras famílias. Ela criou uma organização para apoiar familiares de vítimas de tragédias semelhantes, a Abrapavaa (Associação Brasileira Parentes e Amigos Vítimas de Acidentes Aéreos no país), e passou a mobilizar autoridades de diferentes setores e órgãos federais e estaduais para impedir que casos semelhantes voltassem a acontecer. Queda de Fokker da TAM sobre casas em SP, deixando 99 mortos, completa 25 anos Silvio Ribeiro/Arquivo Estadão Conteúdo – 31/10/1996 Relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Força Aérea, apontou como causa da queda uma falha no reversor da turbina direita (freio aerodinâmico) do Fokker, que abriu erroneamente durante a decolagem. Projeções da fabricante do reverso, Northrop Grumma, apontaram que a chance disso ocorrer era extremamente remota, na casa de um em 100 bilhões (clique aqui para entender a falha). O reversor da turbina direita provocou o recuo brusco do manete, que controla a velocidade do motor. Sinais sonoros e visuais na cabine de comando, que alertariam os pilotos sobre o problema, não se manifestaram, desencadeando uma tentativa de correção errada da falha por parte dos pilotos. A indústria holandesa Fokker declarou falência em 1996, não produzindo mais peças de reposição para as suas aeronaves que, aos poucos, deixaram de operar. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), 62 aeronaves do modelo Fokker 100, que sofreu o acidente, foram matriculadas no país desde a década de 90, mas a maioria teve a matrícula cancelada - como no caso das aeronaves da TAM - ou foi transferida a museus. Atualmente, não há nenhum Fokker 100 com certificado de aeronavegabilidade (autorização para voar) em vigor no país, conforme a Anac. Turbina de Fokker da TAM que caiu em SP em meio a casa perto de Congonhas Silvio Ribeiro/Arquivo Estadão Conteúdo – 31/10/1996 Nesta semana, para relembrar a tragédia e conversar sobre aviação, Sandra reuniu especialistas em diversas "lives" (transmissões ao vivo) pelas redes sociais para conversar sobre como prevenir acidentes. "Eu tinha dois filhos pequenos, na época com 4 e 7 anos. Foi um baque, muito difícil, mas me deu forças para seguir adiante. Depois do que a gente passou, não fica indiferente, não tem como ficar indiferente, e é gratificante ajudar," conta ela sobre o projeto de apoiar parentes de vítimas. Em nota sobre a data, a Latam informou que "a aviação mundial não é a mesma quando se compara com o cenário de 1996" e que, 25 anos depois, "muito se avançou em termos de regulamentação e protocolos". "Todas as famílias das vítimas foram indenizadas", afirmou a empresa, salientando que "segurança é valor inegociável". Sandra Assali é viúva de médico que morreu no acidente e hoje ajuda parentes de vítimas Fabio Tito/G1 Apoio a famílias Após a tragédia de 1996 e a criação da associação de apoio a vítimas, Sandra virou referência para familiares, que a procuram pedindo ajuda, conselhos e informações sobre como proceder quando algo acontece - desde que documentos fornecer, como contatar autoridades, como buscar o seguro obrigatório Reta - seguro exigido pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para que aeronaves possam operar no país. Na página da Abrapavaaa na internet é possível obter informações, como lista de documentos necessários e dicas sobre segurança de voo (clique aqui para acessar). Sandra, inclusive, escreveu um livro, lançado em março de 2021 - uma espécie de guia para orientar familiares pós-tragédia aérea. "O que me alegra é saber que podemos fazer a diferença, ajudar alguém e tentar prevenir que isso se repita. Já demos orientação a familiares de mais de 200 acidentes", diz ela. Livro de Sandra explica 'O que todo familiar de vítima pode e deve saber' sobre acidentes aéreos Arquivo Pessoal "E ver os acidentes se repetindo, todos os dias, pelas mesmas causas, por causas bizarras, por razões absurdas, nos assustas muito. Se você pegar os relatórios do Cenipa, os acidentes se repetem muito, na aviação geral, pelas mesmas causas, por falta de prevenção, por exemplo", explica Sandra. Sobre os comentários de Sandra da repetição de acidentes com fatores contribuintes semelhantes, a Aeronáutica informou que, "por definição, fator contribuinte é uma condição, ação, omissão ou a combinação delas, que, se eliminadas, ou mitigadas, podem reduzir a probabilidade do acontecimento de uma ocorrência aeronáutica, ou reduzir a severidade das consequências dessa ocorrência". "Em termos práticos, durante uma investigação, os investigadores se valem de diversos elementos de investigação para a identificação, análise e, quando possível, validação dos fatores contribuintes, com o intuito de nortear a formulação das Recomendações de Segurança", disse a FAB em nota, salientando que esses fatores "têm como único objetivo a prevenção de novas ocorrências aeronáuticas, não abarcando o escopo de criar uma presunção de culpa ou responsabilidade". Sandra, atualmente, em sobreposição sobre foto antiga do casal há 25 anos, na época da tragédia Fábio Tito/G1 Dicas simples Para a presidente da associação das vítimas, dicas simples podem prevenir acidentes aéreos e evitar que tragédias se repitam. Ela recomenda, por exemplo, que quem embarcar em aviões e aeronaves da aviação geral ou executiva, cheque na Anac a matrícula da aeronave antes do voo (clique aqui para acessar a página onde é possível verificar a matrícula de aviões). "No site da Anac é possível ver se o avião ou helicóptero pode, por exemplo, fazer táxi aéreo. Fica em vermelho bem chamativo. Uma aeronave particular nem sempre tem autorização para transportar pessoas sob pagamento ou frete (o que se chama táxi aéreo). Uma medida simples, como verificar isso no site da Anac, pode salvar vidas. Poderia ter salvo a vida do Ricardo Boechat", defende Sandra. O jornalista, apresentador e radialista Ricardo Eugênio Boechat morreu aos 66 anos, em 2019, quando o helicóptero que o levava para uma palestra caiu na Rodovia Anhanguera, no Rodoanel, em São Paulo. A aeronave não tinha autorização para fazer táxi aéreo. Relatório do Cenipa concluiu que o acidente foi causado por falha de manutenção das peças, que estavam desgastadas e não eram originais (Clique aqui para entender o que causou o acidente). Outra dica de Sandra Assali é pedir para que os pilotos de voos não comerciais apresentem o plano de voo e a carteira de piloto válida. Segundo ela, muitas vezes, proprietários aeronaves de pequeno porte, de empresas, ou de táxi aéreo legais ou ilegais, contratam alguém para fazer o plano de voo e outra pessoa depois irá voar, o que é contrário às normas de aviação geral, que determinam que o próprio piloto faça o plano de voo. "É um direito de quem está embarcando pedir para ver a carteira do piloto, o plano de voo. Se negarem a mostrar, é porque tem algo errado", entende ela. Jornalista Ricardo Boechat e piloto Ricardo Quattrucci morreram em acidente com helicóptero em 11 de fevereiro de 2019 em São Paulo. Aeronave colidiu com caminhão Reprodução/Arquivo/TV Globo Seguro inadimplente deve impedir voo Nas conversas com familiares de vítimas de tragédias pelo país, Sandra e os demais integrantes da Abrapavaa perceberam um problema em relação ao seguro Reta - seguro obrigatório que toda aeronave deve possuir para voar no Brasil e que beneficia parentes de vítimas em caso de tragédias. Segundo ela, proprietários de aeronaves parcelam o seguro, para obter a autorização da Anac para voar, e pagavam apenas uma ou duas parcelas. Caso o parcelamento ficasse inadimplente por parte do contratante, diz Sandra, a Anac não era avisada e a aeronave continuava voando sem seguro. A pressão dos familiares fez com que a Susep (Superintendência de Seguros Privados), do governo federal, abrisse uma consulta pública para alterar a atual regulamentação do setor, incorporando às leis e normas em vigor uma cláusula que pode prever que a Anac e os órgãos de controle e tráfego aéreo sejam imediatamente alertados pelas operadoras de seguro em caso de inadimplência do parcelamento do Reta, para que o avião ou helicóptero seja proibido de voar. "Agora, nós conseguimos uma decisão muito importante, pois a Susep abriu consulta pública para mudar as regras. Na hora em que íamos ajudar muitas famílias, tentar localizar seguradora, descobrimos com frequência aeronaves que estavam voando inadimplentes. Daí as famílias ficavam na mão, a ver navios, sem a cobertura. O Reta deve ser pago imediatamente às famílias, como uma ajuda, e muitas aeronaves continuam voando sem pagar", conta Sandra. "Se a Susep mudar as regras, será suspensa pela Anac a autorização de voar e não autorizado o plano de voo imediatamente em caso de inadimplência. Isso é um avanço e vai ajudar muito na prevenção", assinala ela. O g1 SP questionou a Susep, que regulamenta o setor, sobre o fato das aeronaves continuarem voando mesmo com a inadimplência do Reta, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Segundo a Anac, "toda aeronave deverá possuir seguro para garantir responsabilidade por danos a passageiros, tripulantes, colisão e/ou abalroamento e pessoas e/ou bens no solo". "Caso não esteja com seguro válido, o operador estará descumprindo o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer) e a Resolução nº 293, de 2013. Operar uma aeronave civil sem que o seguro esteja regular pode, inclusive, ensejar suspensão do Certificado de Aeronavegabilidade (CA) da aeronave e instauração de processo administrativo", informou a agência. A Anac diz que fiscaliza o cumprimento das normas e em, caso de seguro inadimplente, pode revogar a autorização para voos no Brasil enquanto o segurado não estiver com o procedimento válido. Kayan Albertin/Arte G1 Congonhas vai ganhar escape ampliado O aeroporto de Congonhas, na Zona Sul de São Paulo, foi palco de outra tragédia de grande porte, além do acidente do Fokker 100 da TAM em 1996. Em 2007, outra aeronave da TAM, um Airbus, saiu da pista e colidiu contra prédio da companhia do outro lado da avenida Washington Luis. Morreram 187 pessoas que estavam no avião e outras 12, em solo. Desde então, por pressão do setor aéreo, investimentos estão sendo realizados na pista de Congonhas, que, segundo Sandra Assali, é vista como "um porta-aviões no meio da cidade". Atualmente, o Ministério da Infraestrutura realiza obras de implantação de uma nova área de escape com sistema de frenagem de aviões. A tecnologia, chamada de EMAS (Engineered Material Arresting System), foi contratada em fevereiro de 2021 ao custo de R$ 122,5 milhões e deve começar a operar em março de 2022. O sistema consiste em uma estrutura formada pelo ajuste entre blocos de concreto diferenciados que, em caso de colisão ou de avanço de uma aeronave na área limite do final da pista, deformam-se. A deformação dos blocos desacelera e contém o deslocamento do avião (clique aqui e entenda o sistema). Acidente com Fokker 100 da TAM completa 25 anos

Fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/10/31/25-anos-apos-queda-de-fokker-da-tam-em-sp-viuva-lidera-projeto-que-orienta-familiares-de-vitimas-de-acidentes-aereos.ghtml

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