Pular para o conteúdo principal

Biografia de Ney Matogrosso desnuda paixões e lutas do artista com texto apurado


Resenha de livro Título: Ney Matogrosso – A biografia Autor: Julio Maria Edição: Companhia das Letras Cotação: * * * * 1/2 ♪ ESPECIAL NEY MATOGROSSO 80 ANOS – Quando solicitado pela mídia, Ney Matogrosso até fala muito. Só que geralmente Matogrosso revela pouco ou mesmo nada sobre a alma de Ney de Souza Pereira, o cidadão que sempre se escondeu atrás da fantasia e da personagem do artista. Avesso aos holofotes fora do campo profissional, Ney parece sempre ter sido sujeito estranho dentro e fora de cena, até por ser excessivamente fiel a si mesmo na vida e na música. No palco, com ou sem roupa, Ney se expressa e se desnuda através da música. Na vida, de cara limpa, tem discurso pronto em que bate e rebate na tecla da liberdade, alvo principal do artista ao longo dos 80 anos festejados neste domingo, 1º de agosto de 2021. Por isso mesmo, Ney Matogrosso – A biografia se impõe como o melhor livro já escrito sobre o artista, pondo o nome do jornalista paulistano Julio Maria no time dos grandes biógrafos brasileiros pela habilidade já mostrada no livro anterior Elis Regina – Nada será como antes (2015). Nascido em 1973, ano em que Ney irrompeu como facho de luz na cena nacional, iluminando recantos escuros da sexualidade e da hipocrisia do povo brasileiro, Maria apresenta relato consistente da trajetória da vida e obra do cantor revelado como vocalista andrógino do grupo Secos & Molhados. O único pecado do autor é repisar os caminhos pessoais e profissionais do cantor com superficialidade, de forma apressada, a partir da década de 1990, ainda que a narrativa avance (rapidamente, nos capítulos finais) até este ano de 2021, com a vacinação do artista contra a covid-19. Contudo, os acontecimentos mais relevantes dos 50 primeiros anos de vida de Ney estão impressos nas 488 páginas do livro com texto apurado, extremamente bem escrito e editado. Ney Matogrosso tem a vida recontada em biografia escrita pelo jornalista Julio Maria Leo Aversa / Divulgação Além da apuração precisa, a fluente edição do texto é a grande vantagem de Ney Matogrosso – A biografia em relação a Ney Matogrosso – Um cara meio estranho (1992), a primeira biografia de Ney, escrita pela jornalista carioca Denise Pires Vaz com profundidade psicológica rara em livros do gênero. A primorosa organização das informações colhidas por Julio Maria através de entrevistas (muitas com o próprio biografado) e de pesquisas torna prazerosa a leitura da atual biografia até para quem, em tese, não se interessa pelo canto de Ney. É que Julio conta muito bem a história deste cara impetuoso que enfrentou o machismo do pai e, para não baixar a cabeça para o autoritarismo paterno, saiu de casa após briga violenta, num dia de 1958, e caiu no mundo com 17 anos. Além de contar a vida pré-fama de Ney como servidor da aeronáutica, saída encontrada pelo futuro artista para sobreviver na cidade do Rio de Janeiro (RJ) após a ruptura familiar, o biógrafo narra a via-crúcis desse sujeito de indumentária e ideologia hippies para driblar a fome em cidades como Brasília (DF) e São Paulo (SP) e para jamais deixar lhe escapar a liberdade. E a liberdade sempre foi o bem mais precioso na visão de Ney de Souza Pereira, cidadão desapegado de dinheiro, devoto dos bichos, amante da natureza e praticante voraz de sexo feito com homens, mulheres e plateias embevecidas com o magnetismo desse cantor que sempre cantou (também) com o corpo, usado como forma de expressão contra a tirania. Além de recontar a saga meteórica e fugaz do grupo Secos & Molhados (assunto principal do ótimo livro Primavera nos dentes – A história do Secos & Molhados, livro escrito por Miguel de Almeida e editado em 2019), Julio Maria detalha a gênese de álbuns e shows feitos por Ney na carreira solo iniciada em 1975 com o álbum Água do céu-pássaro e o show Homem de Neanderthal. Discos como Bandido (1976), Feitiço (1978) e Ney Matogrosso (1981) são analisados com o benefício da perspectiva do tempo. No âmbito da vida pessoal de Ney, o autor nada acrescenta de relevante sobre o namoro com Cazuza (1958 – 1990), mas avança, muito, no que se sabia até então sobre a primeira paixão de Ney (por carioca identificado no livro como Zé) e principalmente sobre a história de amor entre Ney e Marco de Maria, terceiro e último grande amor do artista – história de fim trágico pela morte de Marco em decorrência de complicações da infecção com o vírus da Aids. Entre paixões duradouras, surgem nas páginas da biografia casos fugazes de Ney com personalidades como o ator Leonardo Villar (1923 – 2020) e a cantora Simone sem que o autor jamais chegue perto do terreno do sensacionalismo. Contudo, o mote do livro é a resistência de Ney Matogrosso na luta contra toda forma de opressão. A voz andrógina do cantor foi veículo para expressar sentimentos e emoções que provocaram a ira dos conservadores. Julio Maria mostra que, além da censura, Ney despertou sentimentos mesquinhos em personalidades como o apresentador Chacrinha (1917 – 1988) e o marqueteiro Carlos Imperial (1935 – 1992). Ambos usaram colunas na imprensa para atacar covardemente Ney, sujeito estranho que resistiu aos ataques e venceu todas as resistências, chegando aos 80 anos como símbolo da liberdade de ser fiel somente a si mesmo, pagando o preço por essa liberdade ainda hoje, no Brasil polarizado de 2021.

Fonte: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/mauro-ferreira/post/2021/08/01/biografia-de-ney-matogrosso-desnuda-paixoes-e-lutas-do-artista-com-texto-apurado.ghtml

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Escultura de dinossauro que viveu há milhões de anos na região é instalada em praça de Uberaba

Réplicas de uma Maniraptora protegendo seus filhotes foi criada pelo paleoartista Rodolfo Nogueira. Escultura Maniraptora Uberaba TV Integração/Reprodução A escultura em tamanho real de uma Maniraptora protegendo seu ninho foi instalada nesta terça-feira (22) na praça Manoel Terra, em frente a Igreja Santa Rita, em Uberaba. A espécie de dinossauro carnívoro viveu há 65 milhões de anos na região. Esculturas de filhotes de dinossauros serão instaladas na região central de Uberaba De acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Inovação, a réplica batizada de "Alice" corresponde a outra escultura de um macho, que se encontra no museu dos dinossauros, em Peirópolis. Em 2004, uma garra da mão do animal foi escavada e estudos posteriores revelaram que se tratava de um dinossauro de cerca de dois metros de comprimento, com plumas e pertencente ao grupo de dinossauros que deram origem às aves, parente dos velociraptores. As representações, que fazem part

'Berçário' das baleias jubartes, Bahia concentra maior parte da espécie durante temporada de reprodução; VÍDEO

Baleias começaram a ser vistas em junho e devem ficar no Brasil até outubro ou novembro. Arquipélago de Abrolhos, no sul baiano, é local preferido delas. Salto de baleia jubarte em Salvador em julho deste ano Enrico Marcovaldi/ Projeto baleia Jubarte Entre os meses de julho e novembro, as águas calmas e quentes do litoral baiano são cenário das acrobacias e cantos das baleias jubartes. Todo ano, as ilustres visitantes viajam por cerca 2 meses, da Antártida até o Brasil, para acasalar, reproduzir, e dar um show para quem tem o privilégio de vê-las. Baleias jubarte começam a chegar ao litoral da Bahia "São cantoras de ópera e dançarinas acrobáticas. Dentre as espécies, são as mais exibidas. Geralmente, os machos cantam para seduzir e copular, mas é também uma forma de comunicação", explica Enrico Marcovaldi, um dos coordenadores do Projeto Baleia Jubarte, que monitora a espécie há 32 anos. Baleia jubarte exibe a cauda em Praia do Forte, na Bahia. Registro foi feito neste mês d

Região de Piracicaba tem ao menos cinco cidades com ocupação total em UTIs para casos de Covid-19

Lotação ocorre em Capivari, Cosmópolis, Rio das Pedras, Santa Bárbara d'Oeste e São Pedro, segundo levantamento do governo estadual e do G1. No caso de Santa Bárbara, também não há vagas sem respirador, destinadas a casos menos graves. Movimento de profissionais de saúde na UPA do Piracicamirim, em Piracicaba Vanderlei Duarte/ EPTV A região de Piracicaba (SP) tem ao menos cinco cidades com 100% dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) destinados a casos de Covid-19 ocupados nesta terça-feira (16), segundo levantamentos do governo estadual e do G1. Rio das Pedras (SP) e São Pedro (SP) estão em uma lista de 67 cidades do estado sem vagas nas alas intensivas divulgada pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Na região de Campinas (SP), sete municípios tem UTIs lotadas. Conforme o levantamento feito pelo G1 nesta terça com base nas informações divulgadas por prefeituras da região, Capivari (SP), Cosmópolis (SP) e Santa Bárbara d'Oeste (SP) também estão com ocupação